Estratégia e Execução

Os desafios da fase 2

A segunda fase do empreendedorismo inovador tem como missão o crescimento das startups e sua internacionalização, mas os jogadores devem vencer três “monstros”

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Como aconteceu em outros países, a fase 2 do game imaginário do empreendedorismo inovador no Brasil é a do crescimento das startups criadas e de sua internacionalização. Um marco para isso deve ser o ano de 2016, para quando se prevê intensa retroalimentação do sistema, com muitos fundadores de startups vendendo seus negócios e desenvolvendo outros. “Isso é crucial para o ecossistema”, explica Pedro Waengertner, fundador e líder da aceleradora Aceleratech. O caso da startup Descomplica mostra, no entanto, quanto essa fase é desafiadora. 

Fundada em 2011 para oferecer assinatura de videoaulas preparatórias para vestibulares e para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), não encontrou no mercado local investidores suficientes para bancar seu crescimento. O ecossistema compareceu em um primeiro momento (o negócio contou com investidores-anjo do Gávea Angels), mas, depois, deixou o Descomplica na mão. 

Marco Fisbhen, professor de física que fundou a startup e é seu CEO, entende que boa parte dos investidores brasileiros ainda não corre o risco de investir em empresas com modelos de negócio não validados em mercados como o norte-americano. “Nossa solução foi pegar um avião e apresentar um pitch no Vale do Silício e em Nova York, onde fomos bem-sucedidos”, explica Fisbhen. 

O Descomplica fez suas três rodadas de capital com investidores estrangeiros liderados por fundos do Vale do Silício, de Nova York e de Londres. A primeira (early stage) captou US$ 1,5 milhão; a segunda, cerca de US$ 5 milhões; e a terceira, em maio de 2015, US$ 8 milhões. Estendendo a analogia do espírito animal do empreendedor, a fase 2 desse game impõe monstros que toda startup precisa enfrentar para conseguir crescer e se internacionalizar. 

**MAIS CAPITAL**

Um dos primeiros desafios a vencer é, como Fisbhen enfatiza, o do capital que não aceita correr riscos em relação a modelos de negócio radicalmente novos e ainda não testados em outros mercados, como no caso do Descomplica. Gabriel Perez, sócio-gestor do Fundo Pitanga, concorda com essa análise: “Há uma indústria de capital de risco que, em geral, tem baixo apetite por risco e busca modelos de negócio já comprovados no exterior ou inovações tecnológicas incrementais, exigindo track record de sucesso”. 

O segundo desafio é o do capital que dá retorno em tempo mais curto do que a média de outros mercados, em função especialmente do custo do capital local e das incertezas históricas em relação a nossa economia, como analisa Fábio Bruggioni, CEO da e.Bricks Digital, braço investidor do grupo RBS. Por fim, deve-se encontrar o capital que dá sustentação às startups em fase de crescimento, de empresas de investimento focadas em organizações com faturamento anual entre R$ 10 milhões e R$ 100 milhões. 

Segundo Jonas Gomes, sócio da Bozano Investimentos e head de sua área de private equity, no Brasil há investidores para startups com faturamento de até R$ 10 milhões e acima de  R$ 100 milhões, mas falta para o nicho de empresas que se situam nesse intervalo. “Quando supera os R$ 10 milhões de receita, a startup fica cara demais para um investidor-anjo e ainda é muito pequena para os grandes investidores brasileiros e estrangeiros, que se interessam mais por empresas com potencial de fazer IPO [abrir capital na bolsa]”, explica Gomes. A falta de venture capital no ecossistema brasileiro é, assim, perversa; sem ele, crescer deixa de valer a pena, porque o crescimento é punido. 

A avaliação é compartilhada por Christian de Castro, consultor especializado em venture capital. Ele vê muitos investidores interessados na base e no topo da pirâmide, mas ainda um vazio no meio dela. Castro oferece consolo, contudo: “Começam a aparecer alguns fundos para cobrir essa ausência”. Também é preciso prolongar o engajamento do investidor na gestão da startup, desigual nas diferentes fases da empresa. “Em muitos casos, há um engajamento forte na fase de pré-investimento e desestruturado quando o investimento foi feito”, diz Martino Bagini, sócio da Astella Investimentos. Em sua opinião, deve haver uma metodologia para o investidor apoiar o empreendedor consistentemente na gestão.

**MAIS EMPREENDEDORES**

O empreendedor por necessidade e o empreendedor despreparado são as duas faces do segundo monstro. O cenário não é mais dominado pelo empreendedorismo por necessidade, como era cinco anos atrás, mas ainda precisam surgir muito mais empreendedores por escolha para fortalecer o ecossistema existente. “Tem de aumentar no Brasil o empreendedorismo feito por pessoas que têm isso como projeto de vida”, enfatiza Gomes, da Bozano. Waengertner crê que empreender é uma opção de carreira cada vez mais relevante. E o que é um empreendedor preparado? Sobretudo, o que tem fracassos no currículo e, por isso, aprendizados. 

As chances de sucesso aumentam para empreendedores que não desistem nos primeiros tombos. Segundo Guilherme Junqueira, gerente-executivo da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), um problema adicional é que alguns empreendedores, fracos em habilidades de gestão, deixam startups se arrastando, sem se imporem linhas de corte ou metas que, se não alcançadas, indiquem fracasso. “O resultado é que temos muitas startups zumbis”, afirma. 

Teco Sodré, sócio-gestor da Ikewai Investimentos e Participações, prevê uma nova leva de empreendedores experientes gerada pela crise. “As empresas brasileiras terão de ajustar sua oferta a um patamar mais baixo, e isso vai acarretar demissões de executivos experientes. O que esse pessoal vai fazer? Vai empreender, e com muito conhecimento e preparo.”

> **INTEGRAR +**
>
> É fato: startups brasileiras de sucesso ainda são vistas como exceções. Mas isso pode mudar no segundo ciclo do empreendedorismo, com a maior retroalimentação do sistema. Em nossa visão, a implementação combinada de dois conceitos é o que permitirá essa mudança: integração e colaboração. 
>
> A maior integração dos atores do ecossistema proporcionaria um grande salto de eficiência e eficácia a ele. No entanto, pressupõe uma agenda única, apartidária, com interesses comuns mais fortes do que os individuais. A cultura de colaboração decorre dessa integração dos atores e é a chave 
>
> de qualquer polo de inovação de grande porte – mesmo que se traduza em pequenos ecossistemas autocontidos, conectados entre si para gerar negócios globalmente competitivos. 
>
> _por Marina Miranda  e Yuri Gitahy. Ela é diretora-geral da Mutopo Brasil, de crowdsourcing, e fundadora da conferência rethink Business. Ele é investidor da Aceleradora e sócio-investidor da confrapar._

**MAIS CULTURA  (NA ACADEMIA)**

O terceiro monstro a vencer na segunda fase do empreendedorismo inovador brasileiro é a falta de uma cultura empreendedora sólida. Segundo Perez, do Fundo Pitanga, isso se verifica principalmente nas universidades, um ator importante para o empreendedorismo inovador de qualquer país. 

Ainda há maior valorização da publicação de artigos científicos que da geração de patentes, e existe uma insegurança jurídica dos investidores em relação à propriedade intelectual de tecnologias geradas na academia. Sodré concorda. “Os empreendedores inovadores devem seu conhecimento científico às universidades, sim, mas não o usam em startups graças a essas instituições. 

Não contam com a ajuda das universidades como norte-americanos e israelenses; nossos empreendedores são uns heróis”, diz. Para Perez, o gap de cultura empreendedora também se mostra na falta de uma fórmula de sucesso brasileira para startups que seja replicável. 

unicórnio tropicaL Em que pesem os monstros que criam obstáculos ao empreendedorismo inovador  brasileiro, a meta de seus players continua a ser a de se transformar em outro animal: o unicórnio. Ele nada tem de fantástico no universo dos empreendedores; é raro, mas bem real. Unicórnios são as startups que superaram a casa de US$ 1 bilhão em valor de mercado, como Uber, Xiaomi, Airbnb e outras.

No Brasil, quem quiser tentar virar um unicórnio precisa vencer os monstros do ecossistema e, ainda, compensar dois aspectos específicos do conhecido custo Brasil. O primeiro são os complexos cenários macroeconômico e legal, cruéis para startups, porque estas penam para atender aos requisitos com sua estrutura enxuta. 

O segundo é o baixo grau de internacionalização atual de nossa economia – são poucas as empresas estabelecidas capazes de carregar startups para fora do País. De todo modo, talvez não demoremos outros dez anos para passar à terceira fase do game, a de criar mais e mais unicórnios. Apenas estes podem não ser como os do hemisfério norte, e sim tropicais, como o Buscapé, que vale 1 bilhão também, mas em reais.

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