Desenvolvimento pessoal

Reflexões neossabáticas

Marcelo Nóbrega é especialista em Inovação e Tecnologia em Gestão de Pessoas. Após 30 anos no mundo corporativo, hoje atua como investidor-anjo, conselheiro e mentor de HR TechsÉ professor do Mestrado Profissional da FGV-SP e ministra cursos de pós-graduação nesta e em outras instituições sobre liderança, planejamento estratégico de RH, People Analytics e AI em Gestão de Pessoas. Foi eleito o profissional de RH mais influente da América Latina e Top Voice do LinkedIn em 2018. É autor do livro “Você está Contratado!” e host do webcast do mesmo nome. É Mestre em Ciência da Computação pela Columbia University e PhD pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Compartilhar:

Tá onde agora, Marcelo?

– Não “estou”. Decidi apenas “ser”, pelo menos por um tempo.

Vejo que o meu interlocutor ficou esperando uns três segundos para entender se deveria achar graça. Sim, porque o que ouviu só podia ser piada – principalmente, sendo dito por um cara como eu. Noto que ele desvia o olhar para as minhas mãos e se surpreende ao vê-las livres.

Depois de tantos anos, deviam estar transportando algumas caixas de papelão. Noto também que ele se arrepende de não ter engatado o velho papo de elevador e, quem sabe, falado do tempo, da agenda corrida e tal, em vez de perguntar que novo sobrenome corporativo eu adotaria.

Tarde demais.

Então, o sujeito me encara fixamente nos olhos, testa franzida, e com um esforço evidente balbucia um “legal”. Sei que ele até me desejaria boa sorte, mas se ateve a me dar um tapinha nas costas, fazer sinal de positivo com o polegar direito e sair às pressas, tão logo chegamos no andar térreo.

Lição número 1 de um neófito em sabático: **não espere que as pessoas entendam o que você fez.** Será que eu mesmo entendo?

Aliás, “caramba, o que eu fiz?” é algo que já me perguntei algumas vezes desde aquele momento. Confesso que alguns dias respondo a mim mesmo com uma expressão de orgulho, mas em outros o sentimento é de receio, apesar de ter dado início a algo muito desejado e planejado.

Até conseguir mudar o meu status no LinkedIn para _“Enjoying Life, Family and Friends”_, foram anos montando as centenas de pecinhas de Lego que construíram o meu momento atual. E uma das coisas que descobri, no meio do processo, é que a meta de deixar pelo menos um capítulo em branco na minha trajetória corporativa começou a tomar forma ainda lá na faculdade. 

Esse “deixar em branco”, já desde aquela época, não tinha a ver com um simples hiato, mas com me dar a liberdade de preencher livremente essa parte da minha história. Tudo até esse momento havia sido muito planejado…

Mas adianto que, quando imaginava o Marcelo no futuro, nunca me via em meio a coqueirais balançando em uma rede, num mar de cor caribenha. Viver apenas de forma contemplativa me entediaria rapidamente. Gosto de agenda cheia – ok, intercalada com a possibilidade de breves, muito breves, balançadas em uma rede, mas recheada de lazeres um pouco mais dinâmicos – como mergulho e escalada ou grandes shows de rock e corridas de Fórmula 1, por exemplo.

Vou ser bem sincero: a decisão de abrir mão de um cargo que batalhei muito para conseguir, em uma empresa bacana e com uma equipe fora de série, não seguiu exatamente um enredo hollywoodiano. Não teve uma situação limite, como em Um Dia de Fúria, o clássico interpretado por Michael Douglas. Não foi resultado de uma busca inadiável por autoconhecimento, como em Comer, Rezar e Amar, com a Julia Roberts, nem por status, poder ou dinheiro, como em Wall Street, de Oliver Stone. Amigo, se pensou em qualquer das hipóteses, eu diria que você está gelado, como na brincadeira de infância de adivinhação “quente ou frio?”. 

Botar em prática um sabático de forma intempestiva é a melhor maneira de fazer com que tudo dê errado. Optar por ´sabaticar´ ou empreender apenas por necessidade, idem. De uma forma ou de outra, vai faltar apoio da família, disposição, dinheiro, saúde ou tudo isso junto. Já pensou no caos?

Fazer um sabático é difícil, mas possível. Se fosse moleza, eu não teria levado uma vida me preparando. Olhando pelo retrovisor, talvez eu tenha demorado tempo demais. Apesar de o momento ainda ser de muitas dúvidas, o meu recado é: não postergue o que te faz feliz – ou, se preferir, **não alimente o que te faz infeliz.** Cansou do mundo corporativo – seja lá por quais razões – considere fazer uma pausa. Por meses, por um ano ou para sempre. Você decide, de acordo com as suas necessidades, motivações, ambições e história.       

Enquanto eu escrevo isso para você, sozinho, mas não solitário, eu lido com meus receios. Estou ansioso pra caramba. Porque ter tudo bem planejado é uma coisa. Agora, ter certeza do que o futuro me reserva, é outra bem diferente.

Neste espaço, vou dividir um pouco do que estou vivendo e sentindo no meu sabático. Vou contar o que deu certo, vou entregar as bolas na trave, as bolas fora e as melhores estratégias para dar um tempo do mundo corporativo, sem ter que chutar o pau da barraca ou se arrepender no momento em que estiver devolvendo o crachá no RH. Conto com a sua companhia nesta jornada que, espero, sirva de inspiração para que o mundo tenha mais pessoas decididas a buscar uma vida mais equilibrada e feliz.

Compartilhar:

Marcelo Nóbrega é especialista em Inovação e Tecnologia em Gestão de Pessoas. Após 30 anos no mundo corporativo, hoje atua como investidor-anjo, conselheiro e mentor de HR TechsÉ professor do Mestrado Profissional da FGV-SP e ministra cursos de pós-graduação nesta e em outras instituições sobre liderança, planejamento estratégico de RH, People Analytics e AI em Gestão de Pessoas. Foi eleito o profissional de RH mais influente da América Latina e Top Voice do LinkedIn em 2018. É autor do livro “Você está Contratado!” e host do webcast do mesmo nome. É Mestre em Ciência da Computação pela Columbia University e PhD pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Artigos relacionados

Reputação sólida, ética líquida: o desafio da integridade no mundo corporativo

No mundo corporativo, reputação se constrói com narrativas, mas se sustenta com integridade real – e é justamente aí que muitas empresas tropeçam. É o momento de encarar os dilemas éticos que atravessam culturas organizacionais, revelando os riscos de valores líquidos e o custo invisível da incoerência entre discurso e prática.

Tecnologia e inovação
15 de julho 2025
Em tempos de aceleração digital e inteligência artificial, este artigo propõe a literacia histórica como chave estratégica para líderes e organizações: compreender o passado torna-se essencial para interpretar o presente e construir futuros com profundidade, propósito e memória.

Anna Flávia Ribeiro

17 min de leitura
Inovação
15 de julho de 2025
Olhar para um MBA como perda de tempo é um ponto cego que tem gerado bastante eco ultimamente. Precisamos entender que, num mundo complexo, cada estudo constrói nossas perspectivas para os desafios cotidianos.

Frederike Mette e Paulo Robilloti

6 min de leitura
User Experience, UX
Na era da indústria 5.0, priorizar as necessidades das pessoas aos objetivos do negócio ganha ainda mais relevância

GEP Worldwide - Manoella Oliveira

9 min de leitura
Tecnologia e inovação, Empreendedorismo
Esse fio tem a ver com a combinação de ciências e humanidades, que aumenta nossa capacidade de compreender o mundo e de resolver os grandes desafios que ele nos impõe

CESAR - Eduardo Peixoto

6 min de leitura
Inovação
Cinco etapas, passo a passo, ajudam você a conseguir o capital para levar seu sonho adiante

Eline Casasola

4 min de leitura
Transformação Digital, Inteligência artificial e gestão
Foco no resultado na era da IA: agilidade como alavanca para a estratégia do negócio acelerada pelo uso da inteligência artificial.

Rafael Ferrari

12 min de leitura
Negociação
Em tempos de transformação acelerada, onde cenários mudam mais rápido do que as estratégias conseguem acompanhar, a negociação se tornou muito mais do que uma habilidade tática. Negociar, hoje, é um ato de consciência.

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Inclusão
Imagine estar ao lado de fora de uma casa com dezenas de portas, mas todas trancadas. Você tem as chaves certas — seu talento, sua formação, sua vontade de crescer — mas do outro lado, ninguém gira a maçaneta. É assim que muitas pessoas com deficiência se sentem ao tentar acessar o mercado de trabalho.

Carolina Ignarra

4 min de leitura
Saúde Mental
Desenvolver lideranças e ter ferramentas de suporte são dois dos melhores para caminhos para as empresas lidarem com o desafio que, agora, é também uma obrigação legal

Natalia Ubilla

4 min min de leitura
Carreira, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
Cris Sabbag, COO da Talento Sênior, e Marcos Inocêncio, então vice-presidente da epharma, discutem o modelo de contratação “talent as a service”, que permite às empresas aproveitar as habilidades de gestores experientes

Coluna Talento Sênior

4 min de leitura